sexta-feira, 25 de abril de 2014

A História da Cerveja no Brasil


        “Cerveja Marca Barbante” foi a denominação genérica dada às primeiras cervejas brasileiras que, com sua fabricação rudimentar, tinham um grau tão alto de fermentação que, mesmo depois de engarrafadas, produziam uma enorme quantidade de gás carbônico, criando grande pressão. A rolha era, então, amarrada com barbante para impedir que saltasse da garrafa. Refrescante e de baixo teor alcoólico, a cerveja foi aos poucos conquistando popularidade em nosso país tropical. Era também, conhecida como "Cerveja de cordão" no nordeste.

        No Brasil a cerveja demorou a chegar, pois os portugueses temiam perder o filão da venda de seus vinhos. A cerveja chegou ao Brasil em 1808 trazida pela família real portuguesa de mudança para o então Brasil colônia. Consta que o rei, apreciador inveterado de cerveja, não podia ficar sem consumir a bebida.

         Logo ao chegar, dom João decreta a abertura dos portos às nações amigas, abolindo o monopólio comercial luso. A vida econômica muda radicalmente. O séquito real amplia a demanda de bens de consumo e aumenta as despesas públicas. O comércio se diversifica com a inundação de produtos estrangeiros suntuários e o príncipe toma medidas de incentivo à indústria.

        Dom João revoga o alvará de 1785, que proibia as manufaturas brasileiras e autoriza a instalação de tecelagens, fábricas de vidro e de pólvora, moinhos de trigo e uma fundição de artilharia. Também facilita a vinda de artesãos e profissionais liberais europeus, inclusive médicos e farmacêuticos.

        Outros tratados firmados por dom João em 1810, o de Amizade e Aliança e o de Comércio e Navegação consolidam ainda mais a presença inglesa na colônia. O Tratado de Comércio, por exemplo, fixa a taxa de 15% para todas as importações inglesas e de 24% para as de outras nações. Até 1814 a abertura dos portos beneficia exclusivamente a Inglaterra, que praticamente monopoliza o comércio com o Brasil. Estes fatos fizeram com que a cerveja consumida no Brasil, de qualquer origem, fosse introduzida com exclusividade pela Inglaterra.

        Até o final da década de 1830, a cachaça era a bebida alcoólica mais popular do País. Além dela, eram importados licores da França e vinhos de Portugal, especialmente para atender à nobreza. Nesse período a cerveja já era produzida, mas num processo caseiro realizado por famílias de imigrantes para o seu consumo.

        A bebida consumida pela população era a “Gengibirra” feita de farinha de milho, gengibre, casca de limão e água, essa infusão descansava alguns dias, sendo então vendida em garrafas ou canecas ao preço de 80 réis ou a “Caramuru” feita de milho, gengibre, açúcar mascavo e água, esta mistura fermentava por uma semana e custava 40 réis o copo.

        Encontrava-se também a gengibirra em botijas louçadas, que antes embalaram cerveja preta inglesa. Amarradas com barbantes, as rolhas de tais garrafas estouravam quando abriam — daí o nome de “cerveja marca barbante”.

        Até o 2º Reinado (1840) os anúncios comerciais nos jornais referiam-se, exclusivamente, à venda de cerveja, nunca à produção. Foi só a partir da década seguinte que as famílias de imigrantes começaram a usar escravos e também a empregar trabalhadores livres para produzir a bebida e vendê-la ao comércio local. “nesse momento, o Rio de Janeiro já tem uma população de padrão médio formada por militares, oficiais de indústrias, proprietários de pequenas manufaturas, profissionais liberais e funcionários públicos. A cidade já era comparável a outras da Europa Central, e já possuía um mercado consumidor relevante. A venda era feita no balcão e na própria cervejaria (veja a propaganda), que atendia a particulares. Convites eram espalhados pelos proprietários em bares próximos e festas eram realizadas dentro das cervejarias. As entregas eram feitas por carroças ao comércio dos bairros próximos.”

        A partir da metade do século XIX, a fabricação de cerveja brasileira começa a tomar vulto com o aparecimento de diversas fábricas, inclusive grandes que aos poucos vão absorvendo as pequenas.

        Devido à grande influência comercial que a Inglaterra exercia sobre Portugal nessa época, as cervejas inglesas dominaram o mercado brasileiro até os anos 1870. No final do século, quando a importação voltou a crescer, a preferência passou a ser pela cerveja alemã, que vinha em garrafas e em caixas, ao contrário das inglesas, acondicionadas em barris. A cerveja alemã se contrapunha à inglesa: era clara, límpida, conservava-se melhor e agradava mais ao paladar da época. O período áureo da cerveja alemã não foi longo, já que em 1896 os impostos de importação foram quadruplicados.

        Com essas dificuldades, somadas ao desenvolvimento da indústria cervejeira nacional, praticamente cessaram as importações no início do século XX.

        A brincadeira de gato e rato entre as grandes e as pequenas cervejarias vai perdurar até finais do século XX, quando começam a despontar as microcervejarias, isto é, o termo microcervejaria ou cervejaria para gastronomia define uma instalação que permite a produção de cerveja em pequenas quantidades para consumo no local ou eventual envasamento do excedente para consumo em outros locais, com o aparecimento de firmas especializadas em implantar as microcervejarias, elas vão, pouco a pouco, se multiplicando para no início do século XXI já serem centenas.

        Quanto à(s) primeira(s) fábrica(s), o estudo dessa época é dificílimo, pois as fábricas não produziam cerveja com marca alguma e geralmente vendiam, em barris, para os depósitos (comércio que nem sempre era só de cerveja), onde era vendida de várias formas, às vezes engarrafadas e com rótulos próprios, veja esta propaganda/comunicado.

        Entre mitos, lendas e a história propriamente dita, conseguimos pesquisar a ocorrência de menções à cerveja ao longo da história brasileira que são apresentados a seguir:

        Nossa história começa com a chegada de Maurício de Nassau ao Recife em 1637. Ele veio rodeado de sábios, cientistas, astrônomos etc., principalmente médicos e artistas.

        Foi um período de prosperidade para a cidade do Recife que desenvolveu-se rapidamente tornando-se o principal porto da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, tendo também a primeira ponte, o primeiro observatório astronômico e a primeira fábrica de cerveja das Américas. Junto com Nassau veio o mestre cervejeiro Dirck Dicx com uma planta de cervejaria e os componentes para serem montados, a cervejaria foi montada a partir de outubro de 1640 na residência chamada "La Fontaine" que Nassau deixou de utilizar após a construção do parque de Vrijburg. (Nassau - Evaldo Cabral de Melo)

        Quanto à cerveja isto é bem pouco provável, já que numa carta descoberta por José Antonio Gonsalves de Mello, maior especialista sobre o Brasil holandês e autor do clássico livro “Tempo dos Flamengos”, um militar suplica: “Depositamos todas as esperanças em prontas remessas de tantos víveres quanto VV.SSas possam imaginar; queiram enviar-nos um forte vinho francês tanto branco quanto tinto, alguma cerveja e especialmente favas turcas (milho), cevada, passas de Corinto e sobretudo grande quantidade de farinha de trigo.”

        Da tese Condutividade elétrica de vidros de boratos, silicatos e sílico-sulfatos de íons alcalinos, de Marcio Luis Ferreira Nascimento, na parte Breve História do Vidro, retiramos o seguinte:

...“A ativa indústria européia não hesitou em vender seus vidros ao Brasil, logo após a abertura dos portos às nações amigas, chegou um carregamento de caixas de cerveja de origem alemã, importadas da Inglaterra. Portugueses e brasileiros de recursos consumiram à vontade e inaugurou-se, assim, o hábito de beber cervejas contidas em garrafas de vidro. Passou-se algum tempo até que os brasileiros conhecessem a primeira cervejaria, fundada em 1834 no Rio de Janeiro. O sucesso desta cervejaria despertou o interesse na produção local de cerveja”...

        Segundo o livro de Gilberto Freyre “Nós e a Europa Germânica: em torno de alguns aspectos das relações do Brasil com a cultura germânica no decorrer do século XIX”, editora Grifo, 1971, no prefácio:

        “A 22 de dezembro de 1869 noticiava o Diário de Pernambuco que Henri Joseph Leiden (Henrique Leiden, era normal os estrangeiros aportuguesarem seus nomes), proprietário da grande fábrica de cerveja da Rua do Sebo; acabava de ser agraciado por S. M., o Imperador, com o hábito da Rosa, por decreto de 10 do corrente, em atenção a ter sido êle o fundador da primeira fábrica de cerveja no Brasil no ano de 1842 e ao grande desenvolvimento que deu a essa indústria tanto na Côrte como em Pernambuco.”

        A primeira estatística da Imperial Colônia de Petrópolis, bem elaborada e com preciosos dados, refere-se ao ano de 1846, estando subscrita pelo escrivão Frederico Damack. “...Interessa-nos agora em particular a vida profissional dos colonos que se acha muito bem determinada, inclusive com os locais de residência, em quarteirões. A laboriosa população germânica engloba, além de 6 mestres de escola, 297 artífices, também denominados oficiais de ofício. As profissões desdobram-se em 38 categorias: 54 carpinteiros, 44 marceneiros, 29 pedreiros, 28 ferreiros, 28 sapateiros, 20 alfaiates, 14 cobridores de casas (6 em taboinhas, 6 em telhas e 2 em zinco), 6 tecelões, 5 serralheiros, 5 carniceiros, 4 carvoeiros, 4 jardineiros, 4 cavouqueiros, 4 calceteiros e mais funileiros, torneiros, tanoeiros, fundidores, vidraceiros, fabricantes de carretas, idem de carroças, idem de pianos, oleiros, padeiros, ourives, moleiros, corrieiros, encadernadores, envernizadores, e até 1 fabricante de cerveja e uma parteira...” (Centenário da Imperial Colônia de Petrópolis, de Guilherme Auler. Tribuna de Petrópolis de 1 de janeiro de 1961).

        Do relatório do Ministro do Império, lido na abertura da Assembléa Geral Legislativa em 1847, destaca-se o seguinte trecho relativo á acção da Provincia na Colonia de Petropolis:

        “...Existem já na colonia dous engenhos de serrar; huma fabrica de cerveja...

        Até 1852 a indústria da cerveja prosperou como o confirma a citação não de uma, mas de várias cervejarias na carta do colono Christian Maß, da Colonia Sta. Justa no Rio de Janeiro, ao carpinteiro Joh. Mich. Ludwig em Mellenbach, datada de 4 de novembro de 1852, publicada no Suplemento do 11º Exemplar do Rudolstädter Wochenblatt de 1853. (Rev. Bras. Hist. vol.23 no.45 S Paulo July 2003)
        “...Se queremos beber cerveja temos então que ir até Petrópolis, a 10 milhas de distância, onde há cervejarias alemãs....”

        Do relatorio do conselheiro Luiz Antonio Barboza, presidente da Provincia (Colonia de Petropolis) referente ao anno de 1853:

        “...Continuão a trabalhar 3 fabricas de cerveja em grande escala, e...”

        Da palestra de Claudionor de Souza Adão (Viação, Industria e Comércio - Geopolítica dos Municípios nº 12 de setº 1958), tiramos o seguinte:

        “...Henrique Krammer, com as suas taboinhas, fazia concorrência às telhas, tendo Carlos Lange a disputar a mesma clientela, com as suas coberturas de zinco. Krammer, ainda, se encarregava de coberturas de vidro e fabricava cerveja...

        “...Os colonos, depois de um dia estafante, necessitavam distrair o espírito e, assim, em 1858, iam jogar bilhar na casa de João Descheper, na Praça das Diligências. Alí tomavam a sua cerveja, que era fabricada inicialmente por Carlos Rey & Cia., na Vila Teresa, e depois, também por Augusto Chedel (Luiz Augusto Chedel) e Henrique Leiden. Timóteo Duriez e Pedro Gerhardt também fabricavam cerveja. Aliás, nêste assunto de cerveja, é curioso assinalar que em 1853, as duas fábricas de Carlos Rey e Chedel produziam 6 mil garrafas por mês e a metade da produção era consumida aqui mesmo pelos 6 mil habitantes, para não desmentir a fama da boa sêde alemã ... O negócio era bom e, em 1858 já existiam 6 fábricas de cerveja barbante (de alta fermentação). A Companhia Bohemia, a princípio de Lindscheid, fundou-se em 1898...”

        Em São Paulo, no dia 23 de setembro de 1877, realizou-se a inauguração do bonito jardim do estabelecimento denominado “Stadt Bern” (Cidade de Berna), à rua de São Bento nº 73, antigo prédio térreo de seis portas, com caramanchões, jogos de bola, etc. Por ocasião da inauguração do elegante jardim, a orquestra do antigo Teattro São José executou, entre as escolhidas peças de seu repertório, a nova valsa Lungfrau, sendo a entrada no estabelecimento franca e grátis, tanto pela rua de São Bento como pela de São José (atual Líbero Badaró) passando a fazer pesada concorrência à “Gengibirra” e à “Caramuru”, servindo em seu caramanchão florido a Cerveja Bávara (e não Bavária), então produzida por Heinrich Stupakoff & Cia. custando cada copo de cerveja 160 réis.

        É sabido que o desenvolvimento cervejeiro no Brasil é devido aos primeiros imigrantes que aqui chegaram, um excelente indicativo está no livro “Santa Catarina: sua história”, de W. F. Piazza que mostra a evolução ano a ano das indústrias na Colônia Blumenau, mostra que de 1856 a 1860 havia somente uma fábrica de cerveja, em 1861 haviam duas, de 1862 a 1865 eram 3, em 1866 duplicou, passando a 6, em 1867 já eram 8 e em 1868 alcançou 10, o seu número máximo para no ano seguinte, 1869, declinar completamente chegando a não ter nenhuma fábrica de cerveja e a partir de 1870 reiniciar com uma, de 1871 a 1874 haviam duas, para os anos de 1875 e 1876 não há dados disponíveis, mas em 1877 já haviam 5, 1878 e 1879 contava 6 para encerrar a série em 1880 com 9.

        Mas o desenvolvimento cervejeiro não foi só exercido em fábricas, o grande impulso foi sempre executado domesticamente e principalmente pelas mulheres, já que a atividade de fabricação da cerveja era uma atividade da cozinha, este produto artesanal não era destinado ao comércio e sim para o consumo das famílias. Isto facilmente se comprova através da historia da imigração no Brasil.

        Do livro de M. Renaux, O Outro Lado da História: O Papel da Mulher no Vale do Itajaí 1850-1950, podemos ler este trecho da carta, enviada em 1883, escrita por Minna Hermann, esposa de Hermann Hering que junto com seu irmão Bruno foram os fundadores da Tecelagem Gebrueder Hering (Irmãos Hering) atual Companhia Hering, de Blumenau em Santa Catarina:

        “...Eu fabrico por semana um barrilzinho de cerveja de aproximadamente 25-30 garrafas, já que a cerveja fabricada nas cervejarias locais é cara demais, uma garrafa custa, pelo vosso dinheiro, 60-70 Pfennigs, além de ser muito pouco substanciosa; isso então, para as nossas condições é oneroso demais. Por isso, fabrico, de lúpulo e açúcar bruto, que aqui é muito barato, uma bebida deliciosa, engarrafo a mesma, e quando se abre uma garrafa, é bem assim como se derrama soda, sendo o sabor quase igual à última, com morango. Grandes e pequenos são assíduos “fregueses” e mesmo Bruno, o qual conhecidamente não é bebedor de cerveja, aproveita bastante. Uma garrafa custa para mim 6-8 Pfennigs, pelo vosso dinheiro...”

        Ao utilizar como base para este trabalho, o Almanak Laemmert editado no período de 1844 a 1899, e reconhecido como o registro oficial das indústrias da época, suscita muitas dúvidas sobre a história da cerveja já publicada em diversos veículos de comunicação.

        A primeira menção oficial quanto ao fabrico é do Almanak Laemmert 1849 (referente ao ano de 1848, ele era publicado no início do ano com referência ao ano anterior) onde aparece a fábrica fundada por Voegelin & Bager, no Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro. O estabelecimento teve vida curta, pois não há mais nenhum registro dessa fábrica nos anos seguintes. No almanak do ano seguinte, 1850 (referente a 1849), aparece pela primeira vez o registro da fábrica de João Bayer, situada na Lagoa de Freitas (Rodrigo de Freitas?).

        O que se pretende, neste trabalho, é traçar, através de uma cronologia, a história da cerveja no Brasil. Como logo será percebido é um texto sem fim, fruto de um garimpo exaustivo de uma história nem sempre escrita e que normalmente se confunde, com o passar do tempo, pela absorção de umas cervejarias pelas outras, trocas de razão social, etc.

        Para se escrever essa história é necessário ter muita paciência, pois a cada momento se descobrem novos fatos que serão acrescentados aos já existentes e como a cada dia se cria, se compra, se vende, se transforma, se fecha uma cervejaria, elas existirão enquanto existir alguém disposto a fabricar e alguém disposto a beber.

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